COLHER: A educação socioemocional fortalecendo a educação do campo

Por Ludmilla Santos – Consultora Pedagógica

Ao longo desta trilogia, percorremos caminhos que mostram como a educação no campo é muito mais do que levar conteúdo até comunidades rurais. Ela é, antes de tudo, uma construção coletiva que respeita o território, as pessoas que ali vivem e sua forma de ver o mundo. No terceiro e último texto, vamos falar sobre como a educação socioemocional tem um papel crucial nesse processo — ajudando a tornar a escola um espaço mais acolhedor, libertador e conectado com a vida real dos educandos.

Um exemplo inspirador dessa integração entre saberes e fazeres do campo é a pedagogia da alternância. Criada na França e adaptada ao Brasil a partir dos anos 1990, essa metodologia propõe algo simples e poderoso: alternar períodos de estudo na escola com períodos de vivência no campo, no seio da família e da comunidade. A escola, assim, não fica distante da realidade dos alunos — ela se encaixa nela.

O calendário escolar, por exemplo, respeita o calendário agrícola das famílias. As atividades pedagógicas partem da vivência local, dos saberes do território, das práticas produtivas e do cotidiano das famílias rurais. E o resultado vai muito além do aprendizado técnico: há fortalecimento de laços, sentimento de pertencimento, reconhecimento da cultura local e uma gestão mais equilibrada do tempo.

A abordagem socioemocional dialoga diretamente com a proposta da educação do campo. Ambas defendem uma formação integral, onde o educando é visto como um ser completo — com história, cultura, sentimentos e necessidades. Promover essa conexão emocional com o território e consigo mesmo é o primeiro passo para formar indivíduos críticos e autônomos, que escolham ficar ou sair do campo por vontade, e não por imposição ou falta de oportunidades.

Nesse sentido, a metodologia da Hug Education se destaca ao propor práticas pedagógicas baseadas nas competências emocionais estruturadas por Rafael Bisquerra. Já falamos da autonomia emocional no segundo texto, mas há outras habilidades igualmente importantes, como a empatia, o autoconhecimento, a colaboração e o pensamento crítico.

Essas competências não aparecem em aulas isoladas. Elas fazem parte da rotina escolar, integrando-se aos conteúdos tradicionais. A ideia é preparar os alunos não só para o mercado de trabalho, mas para a vida em sociedade — com mais diálogo, menos violência e mais capacidade de enfrentar desafios com equilíbrio e consciência.

Entre os pilares da educação socioemocional estão a Comunicação Não Violenta (CNV), o trabalho com emoções, o estímulo à escuta ativa, o diálogo, a empatia e o respeito às diferenças. Tudo isso contribui para a construção de ambientes mais seguros e humanos, onde o aluno se sente visto, ouvido e valorizado.

No contexto rural, essas práticas ganham ainda mais potência. Elas ajudam a combater estigmas, reforçam a autoestima dos jovens do campo e mostram que há valor no que é local. Assim, ao invés de moldar os alunos a padrões urbanos ou distantes de sua realidade, a escola passa a nutrir identidades autênticas, que se desenvolvem com base em quem essas pessoas são e onde estão.

A educação do campo, quando aliada à educação socioemocional, ultrapassa os muros da escola. Ela se constrói na lavoura, na cozinha da avó, nas rodas de conversa da comunidade, nas festas tradicionais, nos saberes passados de geração em geração. É uma aprendizagem viva, afetiva e potente.

Mais do que formar profissionais, essa metodologia forma cidadãos conscientes, que compreendem seu papel no coletivo e que têm ferramentas emocionais para transformar suas realidades com empatia e coragem. Colher, nesse cenário, é também um verbo simbólico: é o resultado de uma semeadura cuidadosa, feita com escuta, afeto e respeito.

Bibliografia:

BISQUERRA, Rafael; PÉREZ, Nélida. La educación emocional en la práctica. Barcelona: Graó, 2007.

CANAL FUTURA. Os desafios da educação no campo – Conexão Futura – Canal Futura. YouTube. 24 de setembro de 2014. 23 min31s. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=EnXa52E2Hf4&list=PLNwnhQv0wRU3Kkai2KRe8ylBlYzL6eExo >. Acesso em: 17 fevereiro de 2025.

PASINATO, Darciel. A trajetória das escolas rurais no Brasil. Disponível:< https://www.ceamope.org/post/a-trajetória-das-escolas-rurais-no-brasil >. Acesso em: 18 fev. 2025.

RANGEL, Mary; DO CARMO, Rosângela Branca. Da Educação Rural à Educação do Campo: revisão crítica. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade [online]. 2011, v. 20, n. 36, p. 205-214. ISSN 0104-7043.

RIBEIRO, Roselma Lopes; ALMEIDA, Ricardo Santos de. Educação do campo e Educação no campo. Anais do VIII Encontro Científico Cultural – ENCCULT 2018. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS CAMPUS II – Santana do Ipanema/AL. ISSN 2316-8021.


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