Educação do Campo: muito além da escola no Campo
Quando começamos a escrever sobre o tema, nos deparamos com três expressões que, à primeira vista, pareciam sinônimas: educação rural, educação no campo e educação do campo. Mas não são. Neste primeiro texto de uma coletânea, queremos lançar luz especialmente sobre a educação do campo, aquela que acontece no campo, sim, mas que vai muito além da localização geográfica da escola. Nosso foco é também refletir sobre como ela se conecta ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais. Parece complicado? Fica mais claro com o tempo – e vamos explorar isso ao longo dos próximos textos.
A chamada educação rural surgiu em um contexto em que o campo era apenas pano de fundo. Tratava-se de levar escolas para áreas rurais sem, no entanto, considerar a realidade, cultura ou necessidades de quem vivia ali. Essa ideia estava atrelada a uma lógica produtivista, voltada ao mercado e ao capital. Era uma educação pensada pelas elites, cujo objetivo era formar trabalhadores rurais tecnicamente úteis, mas desconectados de sua identidade e território.







É importante entender também o que se convencionou chamar de educação no campo: a presença formal da política educacional em espaços rurais e tradicionais. Ou seja, o direito à escola existe, mas muitas vezes com uma estrutura precária – falta de materiais, formação inadequada de professores e ausência de um currículo que dialogue com a realidade local. Na prática, ainda é comum vermos escolas no campo replicando conteúdos urbanos, descolados do cotidiano de seus estudantes.
Com o tempo e, principalmente, com a atuação dos movimentos sociais – e aqui é impossível não destacar o papel do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) –, essa lógica foi sendo questionada. Surgiu então uma nova concepção: a educação do campo. Uma proposta construída a partir das vozes dos próprios trabalhadores do campo, voltada para suas realidades, saberes e modos de vida. Ela busca valorizar a diversidade do mundo rural: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, povos das florestas, assentados e acampados.
A educação do campo propõe algo mais profundo: escolas pensadas para o campo, com conteúdos que façam sentido para quem vive ali. Isso inclui, por exemplo, materiais didáticos que retratem o modo de vida campesino, calendários adaptados às necessidades da comunidade, e professores que conheçam e valorizem o território onde atuam. É uma educação que respeita, fortalece e se constrói junto com quem dela faz parte.
E aqui entra um ponto central: o papel das habilidades socioemocionais. Para conectar o estudante com sua história, identidade e comunidade, é preciso muito mais do que ensinar conteúdos acadêmicos. É necessário desenvolver a escuta, o pertencimento, o reconhecimento das próprias emoções. Como diz Sant Ana no texto “A Educação do Campo como espaço de aprendizagem coletiva, resistência e fortalecimento identitário”, a educação do campo deve formar sujeitos que reconhecem seu valor e se veem como agentes de transformação.
Entender quem somos, nos conectar com nossas raízes e fortalecer nossas bandeiras de luta é um processo que exige consciência emocional. Só assim é possível resistir à ideia de que a educação do campo é algo a ser superado ou substituído por um modelo urbano. Pelo contrário: ela precisa ser afirmada, valorizada e continuamente fortalecida.
Nos próximos textos, vamos seguir esse caminho: explorar mais a fundo como a educação socioemocional pode ser uma aliada poderosa no desenvolvimento de uma educação do campo verdadeiramente transformadora.
Bibliografia:
RIBEIRO, Roselma Lopes; ALMEIDA, Ricardo Santos de. Educação do campo e Educação no campo. Anais do VIII Encontro Científico Cultural – ENCCULT 2018. UNIVERSIDADE ESTADUAL DE ALAGOAS CAMPUS II – Santana do Ipanema/AL. ISSN 2316-8021.
SANT ANA, Helena Amaral. A Educação do Campo como espaço de aprendizagem coletiva, resistência e fortalecimento identitário. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 24, nº 2, 23 de janeiro de 2024. Disponível em: <https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/24/2/a-educacao-do-campo-como-espaco-de-aprendizagem-coletiva-resistencia e-fortalecimento-identitario>. Acesso em: 17 fev. 2025.