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Autonomia emocional e educação do campo:
caminhos para um desenvolvimento mais humano

Por Ludmilla Santos – Consultora Pedagógica

Quando falamos em educação do campo, geralmente o primeiro pensamento é sobre as dificuldades enfrentadas. Embora esses desafios existam, a realidade vai além. A educação no meio rural é, na verdade, um espaço fértil para a produção e troca de saberes, que ganha ainda mais valor quando vem de quem vive o cotidiano da terra.

O problema é que, historicamente, o campo foi rotulado como um espaço atrasado ou menos desenvolvido. Esse estereótipo vem de uma visão distorcida de progresso que associa avanço ao urbano. O resultado? Crianças do meio rural, desde cedo, têm contato com uma educação que valoriza o que está fora de sua realidade. Isso as impulsiona a desejar sair do campo como única forma de “ser alguém na vida”.

Essa lógica, como apontam Rangel e Carmo (2011), faz com que muitas famílias troquem suas terras e tradições por subempregos urbanos, acreditando que na cidade seus filhos terão melhores oportunidades. Assim, a educação, que deveria fortalecer vínculos e identidades, muitas vezes contribui para o esvaziamento do campo.

É aí que entra a importância da educação socioemocional. Ao desenvolver autonomia emocional, os estudantes ganham ferramentas para questionar esses estigmas e valorizar o território onde vivem. Essa abordagem fortalece o campo como espaço legítimo de saberes, com potencial técnico, humano e cultural equivalente a qualquer outro.

Rafael Bisquera aponta a autonomia emocional como uma das cinco competências que formam o chamado “pentágono das emoções”. Essa habilidade diz respeito à capacidade de distinguir o que é nosso e o que pertence ao outro nas interações que envolvem sentir, expressar e vivenciar emoções. Ela está profundamente conectada à autoestima, já que a forma como os outros nos veem pode influenciar nossa própria percepção, nossos limites e até o rumo de nossas vidas.

Valorizar o campo significa criar possibilidades reais para que os jovens escolham permanecer, aprimorando suas habilidades não para sair, mas para transformar sua realidade local. Esse olhar integra desenvolvimento sustentável, qualidade de vida e educação com sentido. A partir da ética da compreensão proposta por Edgar Morin, compreendemos que o campo é um exemplo vivo de interdisciplinaridade: cultivar a terra, colher seus frutos e construir relações afetuosas fazem parte de um processo educativo amplo e integral.

Por isso, é fundamental que a escola rural vá além dos conteúdos tradicionais e desconectados da vivência dos alunos. Isso não significa manter um ensino engessado nas tradições, mas sim conectar saberes ancestrais com os avanços científicos. É essa união que possibilita uma educação transformadora, que prepara para a vida em todos os seus aspectos: técnico, intelectual, emocional e social.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que orienta a Educação Básica no Brasil, reforça esse caminho ao destacar a importância de competências gerais — que envolvem conhecimentos, habilidades cognitivas e socioemocionais, atitudes e valores — para lidar com os desafios da vida, da cidadania e do trabalho.

Assim, a educação do campo e a socioemocional se encontram em um ponto essencial: ambas querem formar sujeitos completos, capazes de pensar criticamente e agir de forma autônoma. Como defendia Paulo Freire, a educação não deve se limitar à reprodução de conteúdos, mas sim ser um instrumento de libertação. E isso só é possível se alinharmos a prática pedagógica ao princípio da equidade — entendida como tratar de forma diferente quem tem necessidades diferentes, para garantir que todos tenham as mesmas oportunidades de desenvolvimento.

Se o campo foi, em algum momento, sinônimo de atraso, é porque faltaram políticas públicas que realmente enxergassem suas potencialidades. O caminho para reverter isso está na valorização do que é local, no fortalecimento das comunidades e em uma educação que forme, de fato, cidadãos conscientes, autônomos e comprometidos com a transformação da realidade em que vivem.

Bibliografia:

BISQUERRA, Rafael; PÉREZ, Nélida. La educación emocional en la práctica. Barcelona: Graó, 2007.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. Disponível em:<http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf>. Acesso em: 26 fev. 2025.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.

RANGEL, Mary; DO CARMO, Rosângela Branca. Da Educação Rural à Educação do Campo: revisão crítica. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade [online]. 2011, v. 20, n. 36, p. 205-214. ISSN 0104-7043.


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